ouvindo o cano

eu estou dobrado no balcão, debruçado na idéia de que aqui é onde eu me protejo. eu gosto da presença metálica do freezer que finjo ser meu armário. herdei na minha vó alumínica, tem estética inoxidável. dentro, as doses do óleo pingado a cada dia que é um minuto.

é muito tempo um minuto. a barriga da gota de óleo inspira, se hipopressionando, qual um soluço planejado, durante os primeiras 323 impressões que já passou um segundo, correspondentes à 8 deles. depois, percorrendo um ‘s’ invertido, o óleo vai submiligramicamente se acumulando, até engordar o espelho concavo capaz de aumentar em 1 polegada o veio simples do meu dedo indicador: essa fase de engorda costuma demorar 667 vezes os anseios inconscientes da espera pela próxima milanesa, depende do cliente; somam-se então 33 segundos de observação à gota do minuto. aí é a fase de tempo mais impreciso: dura 17 ou 23 segundos. note, que não há um espectro de possibilidades temporais, ou é 17 ou é 23. a variação existe sim no número de certezas absolutas de que a gota cairá no próximo segundo. os números vão de 271 a 668 certezas.

isso é o que descobri e confirmo sempre que não estou alheio ao gotejar, sentado abaixo da pia que não cheira tão mal. é o que está presente quando a gota escorre, corre, goza ou morre.

só saio da cozinha e me sento no balcão quando resta o último cliente. e ele costuma dormir de testa na mesa. minha ingenuidade calculada e assistida não me desobriga de esperar até que se vá, e aí começa a rádio.

o mesmo chiado azul morto, a mesma luminosidade deprimida, a mesma sensação de que ainda passa alguém do lado de fora pra mudar a paisagem, enchê-la de suposições, e logo tornar a esterelizá-la na sua chutada sintonia.

só mudo de música quando cai a temperatura do freezer. meio tom acima de morbidez, mas um alerta em harmonia com o sintetizador continua o final com final de todas as faixas fonograficas do mundo. os último segundos, ladeira ao marco de zero ruído, minha casa é [(x;0,11) – (x; 0,001)].

o gorro do velho cai. ele acorda, dá um arrotinho sem som e vai embora. eu desperto da radiofonia, tiro a água com o rodo, torço o pano e volto ao óleo.

~ por stopo em 12 de maio de 2010.

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